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Carlos do Carmo
Carlos do Carmo

Músico morreu esta sexta-feira no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, vítima de aneurisma

O fadista Carlos do Carmo morreu esta sexta-feira no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, um dia depois de ter dado entrada com um aneurisma.

O músico tinha comemorado o 81.º aniversário a 21 de Dezembro. As cerimónias fúnebres estão marcadas para segunda-feira (que o governo já declarou dia de luto nacional), com o velório a partir das 9.00 na Basílica da Estrela, em Lisboa, e uma missa de corpo presente pelas 14:00. Ainda não foi revelado em que cemitério será sepultado.

“Até aos 50 anos fui uma locomotiva”

O artista viveu vários problemas de saúde nas duas últimas décadas e inclusivamente já tinha tido um aneurisma aos 60 anos, que o levou por três vezes para a sala de operações. “Até aos 50 anos fui uma locomotiva. Mas depois caí de um palco em Bordéus e fiquei muito mal. Nunca mais fui o mesmo homem. Depois, ao 60, tive o aneurisma. Ia morrendo com as três operações. Depois, tive uma tuberculose e agora há pouco tempo tive problemas de coração outra vez”, contou ao DN em Fevereiro de 2008.

Carlos do Carmo deu o último concerto da carreira a 9 Novembro de 2019, no Coliseu dos Recreios de Lisboa. Nesse dia, recebeu a chave da sua cidade.

O fim de carreira foi anunciado nove meses antes, confessando nessa altura não ter a capacidade de outros para continuar a cantar. “É o ano em que vou fazer 80 anos. 80 anos é uma idade. Será o ano da despedida, sem amarguras, sem azedumes”, afirmou, numa publicação no Facebook.

Aquando da despedida dos palcos, disse, em entrevista à agência Lusa: “Fiz este meu caminho que não foi das pedras, mas que considero um caminho sempre saudável e que me levou sempre a ter uma perspectiva de ser solidário com os meus companheiros (…). Não me recordo de ter feito uma sacanice a um colega de profissão. E, para esta nova geração, estou de braços abertos”.

“Corri sempre em pista própria e não em pista de competição, nunca competi, até porque cantar não é o mesmo que correr. Há sempre gostos. Uns gostam mais de A, outros, de B. Isso não quer dizer que A ou B cantem muito bem ou cantem mal, são os gostos das pessoas”, acrescentou.

Nascido em Lisboa, em 21 de Dezembro de 1939, Carlos Manuel de Ascensão do Carmo de Almeida era filho da fadista Lucília do Carmo (1919-1998) e do livreiro Alfredo Almeida, proprietários da casa de fados O Faia, onde começou a cantar, até iniciar a carreira artística em 1964.

Com um percurso de mais de 50 anos, Carlos do Carmo foi reconhecido, em 2014, com um Grammy Latino de carreira, o que lhe valeu igualmente o Prémio Personalidade do Ano – Martha de la Cal, da Associação Imprensa Estrangeira em Portugal.

O seu percurso passou pelos principais palcos mundiais, do Olympia, em Paris, à Ópera de Frankfurt, do ‘Canecão’, no Rio de Janeiro, ao Royal Albert Hall, em Londres.

Em 2015, recebeu a “Grande Médaille de Vermeil” da cidade de Paris, “a mais alta distinção” da capital francesa, e, um ano depois, foi-lhe atribuído o título de Grande-Oficial da Ordem do Mérito, da Presidência da República.

Em 2013, quando celebrou 50 anos de carreira, editou o álbum “Fado é amor”, que gravou em duo com vários fadistas, entre os quais Ricardo Ribeiro, Camané, Mariza, Raquel Tavares e Marco Rodrigues.

“Canoas do Tejo”, “Os putos”, “Lisboa, menina e moça”, “Por morrer uma andorinha”, “Bairro Alto”, “Vem, não te atrases”, “Pontas soltas”, “O homem das castanhas”, “Um homem na cidade” são alguns êxitos que pontuam a carreira de Carlos do Carmo.

A Enciclopédia da Música Portuguesa no Século XX aponta Carlos do Carmo como “um dos maiores referenciais” no fado.

“As transformações que Carlos do Carmo operou [no fado] foram influenciadas pelos seus gostos musicais que incluíram referências externas” como a Bossa Nova, do Brasil, e os estilos próprios de cantores como Frank Sinatra (1915-1998), Jacques Brel (1929-1978) e Elis Regina (1945-1982), segundo a enciclopédia da música portuguesa.

A enciclopédia destaca que, desde a década de 1970, “acentuou as inovações musicais”, tornando-o “no representante máximo do chamado ‘fado novo'”, com trabalhos como o álbum “Um Homem na Cidade” (1977).

Foi um dos principais e mais determinantes embaixadores da Candidatura do Fado a Património Imaterial da Humanidade, e desempenhou um “papel fundamental na divulgação dos maiores poetas portugueses”, como destacou o júri do Prémio Vasco Graça Moura de Cidadania Cultural.

O fadista foi agraciado com o Grau de Comendador da Ordem do Infante Dom Henrique a 4 de Setembro de 1997, pelo então Presidente da República, Jorge Sampaio, com o Grau de Grande Oficial da Ordem do Mérito a 28 de Novembro de 2016 e com a medalha de mérito cultural quase três anos depois, ambas pelo atual chefe de Estado, Marcelo Rebelo de Sousa.

“Num gesto simultâneo de agradecimento e de reconhecimento pelo inestimável trabalho de uma vida dedicada à divulgação do Fado e da música portuguesa, difundindo em Portugal e no estrangeiro a cultura e a língua portuguesas, ao longo de mais de cinquenta anos, entende o Governo Português prestar pública homenagem a Carlos do Carmo, concedendo-lhe a medalha de mérito cultural”, lê-se no texto biográfico no diploma que acompanhou a medalha de mérito cultural.

Em 2008, numa entrevista ao DN, confessou que se sentiu “muito mal tratado” no período que se seguiu ao 25 de abril. “A democracia era recente e a tomada de posições era mal interpretada. Mas as pessoas têm de tomar uma posição e eu tomei-a. Não terá sido com certeza a mais cómoda, a mais simpática. Mas até aconteceu uma coisa simpática comigo: quanto mais me bateram, mais reforcei a minha posição. Dentro da linha clássica do que se chama a esquerda, sou um homem de esquerda e espero morrer assim. E foi este lado mais polémico da minha história que levou a que o meu público se dividisse, entre pessoas que me agrediam e pessoas que me apoiavam”, recordou o cantor, que era adepto do Belenenses.

Na mesma entrevista, Carlos do Carmo disse que esperava ser recordado “como uma pessoa que se deu ao fado como uma causa”. “Há uma coisa que é certa e segura: na minha geração, que tem bons fadistas, espero ficar como uma pessoa que se deu ao fado como uma causa. Sou filho de uma das maiores fadistas da história do fado, o que é reconhecido por quem sabe da matéria…”, afirmou. O fadista revelou nessa altura que ganhou muito dinheiro com a sua profissão, mas que essa nunca foi a sua prioridade. “Nunca quis ser milionário. Para isso, é preciso um artista que queira entrar por esse terreno, tem de fazer muitas concessões e eu confesso que não fui muito adepto disso, eu preferi alguma independência, trabalhei e tenho trabalhado com alguma independência e isso permite-me ganhar a vida, mas sem sofreguidão”, explicou. “O dinheiro foi útil, foi importante para poder criar algum bem-estar na minha família, mas não me alterou”, acrescentou.

Fonte: Diário de Notícias